Da demência que se instalou no país

12 02 2010

Tem sido um 2010 horrível para Portugal. Desde o défice, que afinal era superior a 9 por cento, às notações da agência de rating, não faltaram indicadores em como a economia portuguesa está em mau estado e que as distâncias para a Grécia, embora reais, são cada vez menos significativas. Depois, e como se isto não fosse suficiente, Governo e oposição decidiram brincar com a lei das finanças regionais e criar uma mini-crise política à conta dos fundos para a Madeira. A coisa foi tão ridícula que quem acabou por ficar bem visto foi o Governo.

Agora, num esforço para cimentar a confiança popular nas instituições de soberania, as escutas do Sol conheceram um segundo episódio e começa a ser cada vez mais complicado para José Sócrates, primeiro-ministro recém-eleito, garantir que desconhecia as movimentações nos bastidores do falhado negócio de compra da TVI pela PT.

Vamos por partes. A primeira implica referir o óbvio: mais uma vez, o Sol violou o segredo de justiça e a publicação das escutas é ilegal, uma vez que este caso ainda não transitou em julgado. Dito isto, aquilo que aparece no jornal é de extrema gravidade. Parece evidente que havia, de facto, um plano para silenciar a TVI e, mais, para adquirir um grupo de comunicação existente e torná-lo amigo do Governo.

Ao que parece, as escutas em que se ouve a voz do primeiro-ministro não permitem concluir acção ilícita por parte de Sócrates. Contudo, as escutas onde o chefe do Governo é referido não o deixam em bons lençóis. O “chefe” ou “chefe-maior”, como é referido por alguns dos intervenientes nas escutas, é demasiadas vezes referido e apontado como parte interessada no negócio que ele jurava desconhecer. Começam a ser demasiados casos.

O país, parece, perodoou e esqueceu as dúvidas na conclusão da licenciatura, a forma como fez a disciplina de Inglês Técnico, os projectos duvidosos nos tempos de Castelo Branco, o Freeport e a TVI, para citar os mais mediáticos, são demasiados casos para que o primeiro-ministro permaneça em silêncio.

Se Sócrates não quer falar em público, que dê esclarecimentos na justiça. Quem não deve, não teme e por isso se Sócrates está, de facto, inocente, não deve ter problemas em tomar a iniciativa e contar a PGR e contar a sua versão dos acontecimentos. Já agora, de Cavaco Silva espera-se, no mínimo, que chame Sócrates a Belém e que tenha uma longa e séria conversa com o primeiro-ministro.

Há, no entanto, outra face para esta moeda. A face da necessidade de Sócrates em manter-se no cargo, em assegurar que continua em São Bento de forma a abrigar-se debaixo de um enorme guarda-chuva. Sócrates pode já não querer ser o primeiro-ministro, mas ele pode precisar ser o primeiro-ministro.

Antes de se falar em demissão de Sócrates ou dissolução da Assembleia da República é preciso que existam conclusões da justiça. Contudo, Portugal não pode continuar a compactuar com um Governo corruptível, com um primeiro-ministro descredibilizado e uma AR desconfiada. Portugal não pode tornar-se numa Itália. É preciso que existam decisões claras e irrevogáveis nestas matérias de forma a estabilizar politicamente o país e prepará-lo para enfrentar os desafios económicos e sociais que se avizinham. Se isso exigir uns meses de tumulto para depois haver lugar a alguma tranquilidade, que assim seja.

Não podemos é continuar a viver num estado de permanente confusão e turbulência, nem ficar inertes perante mais um escândalo que envolve o PM apenas porque se trata, precisamente, de mais um. Consegue o país sobreviver a tanta demência junta?


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